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Texto aprovado no Congresso enfraquece políticas ambientais e indígenas do país

Entre as alterações propostas, está a retirada da competência de demarcação de Terras Indígenas da pasta criada em janeiro e liderada por Sônia Guajajara 

Manifestantes durante marcha no Acampamento Terra Livre de 2022. Foto: Amanda Lelis

Na tarde desta quarta, dia 24 de maio, parlamentares aprovaram parecer à medida provisória que define a estrutura básica de organização dos órgãos da Presidência da República e dos ministérios (MP 1154/2023). Após a votação de hoje pela comissão mista no Congresso Nacional, responsável pela análise da proposta, o texto segue para os plenários da Câmara e do Senado. A deliberação sobre a medida provisória deve ser feita até o seu vencimento no dia primeiro de junho.  

As mudanças aprovadas nesta tarde podem inviabilizar a eficácia de políticas públicas ambientais e as direcionadas à garantia de direitos indígenas. Organizações indígenas, indigenistas e ambientalistas brasileiras se uniram nesta quarta em mobilização pela manutenção do texto original da medida provisória, para a garantia de eficácia das políticas socioambientais do país. 

Na noite de hoje, o Ministério Público Federal divulgou nota contrária à possível transferência de atribuições relativas ao reconhecimento e à demarcação das terras indígenas ao Ministério da Justiça. O documento da sexta Câmara – Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais chama atenção para centenas de reinvindicações territoriais pendentes ou sem processos administrativos instaurados, mesmo após 35 anos da promulgação da Constituição Federal, que garantiu o direito originário dos povos indígenas aos seus territórios tradicionalmente ocupados.  

O prazo instituído pela Constituição para finalização dos processos demarcatórios é de até cinco anos, o que não acontece na realidade, como é o caso da Terra Indígena Taego Ãwa, que aguarda há mais de uma década pela sua homologação. O histórico de luta e resistência do povo Ãwa pela garantia dos seus direitos territoriais foi pauta de reportagem publicada na última edição da Revista WANAKI (acesse a reportagem na pag76, pelo link), publicada pela ACT-Brasil neste mês. 

O relator, no entanto, afirmou que a manutenção da responsabilidade pela demarcação no Ministério da Justiça, garantirá mais eficiência nas demarcações. “Uma das coisas que mais me traz alegria dentro desse relatório, mesmo por acreditar por concepção que a saúde do Ministério dos Povos Indígenas terá sem dúvida nenhuma mais eficiência no Ministério da Justiça”, disse Bulhões após o anúncio de aprovação do relatório.  

De acordo com a subprocuradora geral da República, Eliana Peres Torelly de Carvalho, que assina a nota do MPF, a atribuição da demarcação ao MPI representou um avanço para a efetivação dos direitos territoriais dos povos indígenas. “Por outro lado, a alteração desta atribuição configura preocupante retrocesso jurídico na garantia e proteção dos direitos”, finaliza o texto (leia a nota na íntegra).  

Entre outras alterações à atual estrutura do governo, o documento relatado pelo deputado Isnaldo Bulhões propõe a reconfiguração das competências do Ministério dos Povos Indígena (MPI), do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA) do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No atual governo, a Conab passou para o guarda-chuva do MDA, também recriado pela MP. 

Organizações da Sociedade Civil aliadas à proteção do meio ambiente e aos direitos dos povos indígenas do país defendem que o novo texto leva a um esvaziamento dos ministérios. Outra preocupação é o enfraquecimento de instrumentos públicos de controle e monitoramento do desmatamento, além da retirada de autoridade da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e do MPI em relação às demarcações de Terras Indígenas no país. 

Ainda nesta noite, a Câmara pautou de última hora a votação da urgência do PL490/2007. O regime de urgência foi aprovado com 324 votos contra 131, o mérito do projeto deve entrar em votação na próxima semana. A Câmara tenta atropelar o STF com o PL490, que já colocou na agenda de votação a tese do Marco Temporal para o dia 7 de junho.

Para além da questão do marco temporal, que também é um dos pontos tratados no projeto, o PL 490 traz ainda mais e maiores ameaças, como a facilitação da entrada de atividades como mineração em TIs, o desrespeito à premissa de não-contato aos povos isolados – amplamente consolidada como estratégia bem-sucedida historicamente, em respeito à autodeterminação dos povos -, a facilitação de obras e empreendimentos em TIs sem consulta livre, prévia e informada com as comunidades afetadas, entre outros pontos preocupantes.

Ameaças ao meio ambiente 

As mudanças propostas esvaziam e enfraquecem políticas públicas ambientais. Foto: Amanda Lelis

São propostas da MP a retirada do Cadastro Ambiental Rural (CAR), da Agência Nacional de Águas (ANA) e dos Sistemas Nacionais de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SIGRH) de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), e de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Se aprovada, os três primeiros seriam transferidos, consecutivamente, para a competência do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e do Ministério das Cidades. 

Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados na manhã de hoje, a ministra Marina Silva defendeu que a retirada das atribuições do MMA dá um sinal negativo ao mundo, indicando um atraso para a transição do país a uma agenda de sustentabilidade, o que pode prejudicar relevantes acordos comerciais internacionais.  

A retirada dos sistemas nacionais de informação do ministério enfraquece a integração das políticas de recursos hídricos, saneamento e resíduos sólidos com a política ambiental vigente. Da mesma forma, a manutenção do CAR na pasta promove maior rigor no monitoramento e controle do desmatamento por atividades agropecuárias. A transferência da ANA prioriza os interesses do agronegócio na gestão dos recursos hídricos, em prejuízo de sua conservação. 

O CAR é um instrumento federal para o registro de imóveis rurais. Além de subsidiar à regularização ambiental, o CAR também é um importante instrumento para combate ao desmatamento ilegal e o monitoramento de áreas em recuperação. Por meio do cadastro, as informações ambientais das propriedades são integradas e dispostas para monitoramento, controle e planejamento de ações de combate ao desmatamento.  

Os dados também são utilizados por pesquisadores para diversificadas análises relacionadas ao agronegócio no país. Exemplo disso, é o artigo publicado em 2020 por pesquisadores brasileiros na Revista Science. Com o título “Maçãs podres do agronegócio brasileiro”, o artigo apontou que ao menos 20% das exportações de carne e soja do país estavam potencialmente vinculadas ao desmatamento ilegal. Os resultados foram obtidos por meio de análise de mais de 800 mil propriedades rurais individuais registradas no CAR.  

Ameaças aos direitos dos povos indígenas 

Em nota, publicada nesta terça (24), o MPI expôs preocupação com as alterações propostas à MP1154. O ministério aponta que as mudanças anulam a representação brasileira como protagonista global no enfrentamento à crise climática e à preservação do meio ambiente. O texto expõe que o questionamento às capacidades da pasta gerida por lideranças indígenas “é um registro de como os povos originários seguem sendo vítimas de todo o tipo de violência, desde a física ao apagamento social e cultural, como é o sugerido por estas emendas”. 

Antes da votação, a ministra Sonia Guajajara reagiu ao relatório final em coletiva de imprensa no Congresso Nacional. A ministra lembrou o compromisso de campanha feito pelo Governo de retomada das demarcações de Terras Indígenas no país e as perspectivas de reação internacional no caso da aprovação do relatório com as propostas de alteração.  

“O mundo inteiro criou uma expectativa muito grande de que o Brasil pudesse retomar o seu protagonismo no que diz respeito ao combate à crise climática, no que diz respeito à proteção do meio ambiente, da biodiversidade e dos direitos dos povos indígenas e hoje estamos assistindo um verdadeiro ataque deste Congresso”, reforçou Célia em sua fala. 

Durante a seção que discutia o relatório final da MP, a deputada Célia Xacriabá defendeu que não existe possibilidade de barrar as mudanças climáticas sem defesa da democracia e da demarcação dos territórios indígenas. “Queremos ser tratados com prioridade para participação dos processos de negociação. Não como uma prioridade que negocia o direito, sem condições de pensar ou discutir conjuntamente. Neste momento, discutir sobre o rumo do país, sobre economia, sobre as questões ambientais, sobre o combate à fome não deve ser somente uma pauta progressista, mas sobretudo uma pauta humanitária”, disse Célia. 

A ministra Marina Silva também apontou preocupação em sua fala sobre a MP, na audiência pública, em relação às alterações na atuação do MPI. “Estamos dizendo que os indígenas não têm isenção, para fazer o que é melhor para eles mesmo em relação a suas terras”, disse a ministra.