Em parceria com a Coiab, ACT-Brasil reforça enfrentamento à emergência Yanomami
Parceria viabilizou o apoio em rede para a logística de recebimento e distribuição dos apoios entre aldeias do território indígena

Em maio de 1992, como resultado de uma campanha internacional no ano da conferência Rio-92, o povo Yanomami teve o reconhecimento do direito à proteção de seu território por meio da homologação da Terra Indígena de mesmo nome por parte do Estado. À época, cerca de 40 mil garimpeiros ilegais foram expulsos do território tradicionalmente ocupado por este povo. Três décadas depois, assistimos novamente o avançar da emergência humanitária na mesma região.
Como parte da parceria institucional mantida desde 2021, a ACT-Brasil e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) reuniram esforços para somar aos apoios emergenciais já executados por uma rede de organizações conjuntamente à Hutukara Associação Yanomami.
O coordenador de Programas da ACT-Brasil Ayrton Vollet Neto explica que, embora não seja a estratégia de ação prioritária da ACT, em alguns casos, apoios pontuais são necessários. De acordo com Neto, a estratégia de trabalho da organização é pautada com base em diálogos horizontais com os povos indígenas para ações preferencialmente de longo prazo. “Nesse sentido, a estratégia se desenha com base no que é prioritário para eles no momento. Não há como contestarmos um pedido de ajuda humanitária. As prioridades vêm antes e elas constroem a base para o desenvolvimento de outras ações que, por razões óbvias, requerem das pessoas uma condição de segurança alimentar e de saúde mínimas para sucesso dos projetos”, comentou Ayrton.
A iniciativa é realizada em parceria pela Coiab, a Hutukara Associação Yanomami e o Conselho Indigenista de Roraima (CIR), com o apoio da ACT-Brasil. Em entrevista, Luiz Penha Tukano, coordenador de projetos na COIAB, destacou que a emergência humanitária do povo Yanomami não é recente e que as organizações atuam em conjunto com a Hutukara desde o ano passado. “Esse apoio tem o objetivo de minimizar os prejuízos do ponto de vista humanitário. É uma demanda e solicitação da própria comunidade e o apoio tem acontecido desde dezembro”, explicou.
De acordo com Luiz, o projeto viabiliza o apoio à equipe de logística na sede da associação indígena em Boa Vista (RR), no recebimento de doações, no planejamento do seu armazenamento e na entrega dos itens nas aldeias Yanomami. A logística de controle, distribuição e entrega dos itens é um desafio em função de condições ambientais e geográficas da TI, que tem área estimada em quase dez milhões de hectares.
Luiz explica que, apesar da grande comoção mundial anunciada intensamente nos últimos meses na mídia, os apoios ainda não têm sido suficientes para garantia do atendimento às demandas urgentes do povo Yanomami. “Em dezembro, fizemos a primeira viagem para entrega das alimentações e kits de higiene. A alimentação foi comprada de acordo com as necessidades e especificidades dos Yanomami, levando em conta que alguns ingredientes comuns na cidade, eles não consomem. Todos esses cuidados foram tomados de acordo com as orientações da Associação Hutukara”, explicou.
As ameaças ao povo Yanomami seguem as mesmas de décadas anteriores: o avanço das invasões territoriais para atividades ilegais e as dificuldades de controle e penalização pelo poder público. Ayrton Neto apontou os prejuízos do desmonte do aparato estatal de proteção aos direitos indígenas nos últimos anos, que além de viabilizar o avanço de frentes de exploração ilegais, também afetou a atuação da sociedade civil nacional e internacional que atuavam em apoio a essa população.
“As comunidades e associações de base ficaram desamparadas para o acesso aos seus direitos. Ainda hoje, com um governo que vem se mostrando aliado aos direitos dos povos indígenas, essas articulações não puderam ser recompostas e, certamente, vão levar um tempo até se reestabelecerem”, enfatizou Ayrton.
Sobre a parceria
Um dos pilares estratégicos da ACT-Brasil visa o fortalecimento da governança das associações indígenas e da autonomia e articulação entre os povos. E foi partindo desta premissa que, em 2021, foi estabelecida parceria com a COIAB. Fundada há quase 35 anos, seis meses após a promulgação da Constituição Federal de1988, a COIAB tem histórico de renome na atuação em rede regionalmente pela defesa dos direitos indígenas no país.
Conforme informado em seu site, a COIAB reúne, atualmente, organizações indígenas de 64 regiões de base, situadas nos nove estados da Amazônia Brasileira, além de também compor instâncias de referência no movimento indígena brasileiro, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica).
A parceria entre a ACT-Brasil e a COIAB firma o compromisso de ação conjunta em benefício dos povos indígenas em seus territórios. O plano de trabalho entre as duas organizações é direcionado a quatro objetivos primordiais, com atenção especial a um deles: colaborar para avanços na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato, com respeito à sua autonomia.
Além deste, também estão entre os objetivos a atuação conjunta visando o apoio à promoção da autodeterminação e ao fortalecimento da governança dos povos parceiros, a proteção, gestão, conservação e garantia dos seus territórios tradicionalmente ocupados, e também a garantia e salvaguarda dos seus direitos constitucionais.
Ayrton explica que o plano estratégico foi orientado, principalmente, com atenção a povos que têm pouco ou nenhum apoio de organizações da sociedade civil e do Estado. “Além disso, buscou-se povos que estivessem em particular vulnerabilidade devido a ameaças históricas e atuais, e que se localizassem em pontos estratégicos em relação à proteção de povos isolados”, disse o coordenador de programas da ACT-Brasil.
No primeiro ano de ação conjunta, os esforços se concentraram na prevenção à pandemia de covid-19 e seus impactos diretos às comunidades indígenas. Naquele momento em que as atividades das equipes nos territórios precisaram ser suspensas, as equipes se dedicaram à mediação de ajuda humanitária e biossegurança dos povos indígenas, num cenário em que a proteção à vida era a primeira necessidade.
Por meio da parceria, em 2021, 15 diferentes povos indígenas foram apoiados, totalizando mais de 6.900 pessoas que tiveram acesso aos kits de higiene, testes rápidos e kits de segurança alimentar, com ferramentas e outros utensílios de relevância para a rotina produtiva das comunidades, como apetrechos de pesca ou para a agricultura.