Mobilização histórica marca avanços em demarcação e proteção territorial. ACT esteve junto e contribuiu com o protagonismo comunitário nas decisões climáticas
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), realizada em novembro, em Belém (PA), foi marcada pela força e pela articulação histórica dos povos indígenas e dos povos e das comunidades tradicionais do Brasil. Em marchas, mesas de diálogo e atos institucionais, lideranças reivindicaram protagonismo, denunciaram desigualdades e celebraram conquistas estruturantes.
A conferência teve dimensão inédita: cerca de mil indígenas estiveram presentes na Zona Azul, e mais de cinco mil circularam pela cidade durante o evento. A ACT acompanhou de perto seus parceiros e reforçou um recado global: não há justiça climática sem a centralidade dos saberes ancestrais.
Além da forte presença indígena, a pauta quilombola conquistou visibilidade estratégica. A articulação nacional do movimento conseguiu unidade interna e garantiu a inclusão do termo afrodescendentes nos documentos oficiais, ampliando o reconhecimento das contribuições e dos direitos dos povos negros na luta climática.
Outro marco foi a construção e entrega do documento final da Cúpula dos Povos, que unificou reivindicações de movimentos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, pescadores artesanais e organizações da sociedade civil. O documento foi oficialmente recebido pelo governo brasileiro e lido na plenária da Zona Azul — uma vitória simbólica e política rara nos espaços das negociações climáticas internacionais.
E, pela primeira vez, o Fundo Florestas para o Futuro (TFFF) alcançou o patamar de R$ 30 bilhões arrecadados, indicando um avanço significativo no debate sobre financiamento climático, embora ainda distante das necessidades reais das comunidades.
“A resposta somos nós”: marchas pela justiça climática mobilizam Belém
Os debates da COP30 não se restringiram às áreas oficiais do evento. Movimentos sociais, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais, organizações da sociedade civil e a população foram às ruas para ampliar e democratizar as pautas climáticas.
No dia 15, a Marcha Global pelo Clima, organizada pela Cúpula dos Povos, reuniu cerca de 70 mil pessoas. A ACT acompanhou a mobilização ao lado de parceiros indígenas, testemunhando a força diversa dos povos que exigem mais espaço nas decisões globais sobre o clima.
A marcha reforçou uma das principais pautas paralelas da COP30: a eliminação dos combustíveis fósseis. Um ato simbólico — o “enterro” de petróleo, carvão e gás — ganhou grande visibilidade ao longo do percurso.
Na segunda-feira seguinte, dia 17, a ACT participou da Marcha Global dos Povos Indígenas, que reuniu milhares de pessoas nas ruas da capital paraense e marcou o início da segunda semana da conferência. Lideranças denunciaram o aumento das violações territoriais e defenderam que enfrentar a crise climática exige a centralidade dos povos indígenas e dos povos e das comunidades tradicionais.
A frase mais repetida no ato, “A resposta somos nós”, sintetizou a defesa do conhecimento ancestral e das práticas tradicionais como bases para a solução climática. Mulheres, jovens e anciãos marcharam juntos com cantos, grafismos e discursos que reforçaram a urgência de proteger os territórios.

Demarcação de Terras: anúncios históricos durante a COP30
Em um dos momentos mais simbólicos da conferência, a presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, assinou portarias que representam avanços concretos nos processos demarcatórios de Terras Indígenas. Parte dos anúncios ocorreu no ato oficial; outros foram consolidados ao longo da COP.
Os principais avanços incluem:
- Aprovação dos estudos de identificação e delimitação de seis Terras Indígenas, somando mais de 4 milhões de hectares de territórios tradicionais.
- Criação de sete novos Grupos Técnicos (GTs) responsáveis por estudos multidisciplinares. Entre os povos contemplados estão Kokama e Tikuna, cujas lutas territoriais contam com apoio da ACT e de parceiros locais.
- Constituição de dez Reservas Indígenas, que seguirão para etapas de estudo e análise.
- Assinatura de dez portarias declaratórias de limites, reafirmando institucionalmente os direitos territoriais dessas comunidades.
- Homologação de quatro Terras Indígenas, concluindo sua regularização jurídica.
Esses avanços materializam um entendimento reiterado por lideranças indígenas, como Mariazinha Baré, coordenadora da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (APIAM) e parceira histórica da ACT: a demarcação de Terras Indígenas é, também, uma política climática.
As imagens do ato — com lideranças de diversos povos, autoridades e parceiros — simbolizam um marco na política de reconhecimento e proteção dos territórios tradicionais.

Denúncias e alertas: “O mundo não está ouvindo a voz dos povos indígenas”
Apesar dos avanços e conquistas, ainda há caminhos a serem trilhados. No que diz respeito ao financiamento climático global, não houve sinalizações concretas de que os países ricos assumirão compromissos vinculantes compatíveis com as necessidades dos países em desenvolvimento. Nesse campo, as vozes indígenas ainda encontram um grande abismo a ultrapassar para serem plenamente ouvidas.
Durante as mesas de diálogo, lideranças indígenas criticaram a baixa inclusão dos povos nas negociações climáticas internacionais. Como afirmou Edinho Macuxi, liderança de Roraima:
“O mundo não está ouvindo a voz dos povos indígenas. Estão discutindo muito a proteção ambiental, mas quem está discutindo quem protege os territórios? Nós vamos continuar insistindo que nós somos a solução para a mudanças climáticas”
Edinho Macuxi
A reivindicação foi clara: mais assentos, mais poder de decisão e ampliação do financiamento direto para iniciativas comunitárias.
ACT reforça compromissos e consolida parcerias na luta pela justiça climática
Participando ativamente dos atos, painéis e discussões ao lado dos povos, a ACT atuou em três grandes frentes durante a COPO30:
- Aliança com povos indígenas e sociedade civil
A ACT se somou às organizações da sociedade civil, aos povos indígenas e aos movimentos populares para defender respostas urgentes à crise climática e a necessidade de uma transição energética e ecológica justa — dentro e fora dos espaços oficiais.
- Reafirmação como organização de território
A ACT reforçou seu compromisso de atuação próxima às comunidades e reafirmou sua presença regional com equipes da ACT-Brasil, ACT-Colômbia, ACT-Guianas e parceiros estratégicos, como o Grupo de Trabalho para a Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e Contato Inicial (GTI PIACI).
Essa articulação fortaleceu o diálogo e ampliou a incidência da organização ao longo do evento.
- Consolidação como ator estratégico da agenda climática
A ACT participou e liderou mesas, articulou alianças e integrou debates estruturantes, consolidando-se como uma das organizações-chave na construção de alternativas climáticas.
Sua presença na COP30 indica um novo ciclo, no qual a ACT se coloca como atriz fundamental na defesa sociobiocultural da Amazônia, tanto globalmente quanto nos territórios onde atua.
Um dos destaques foi o painel “Caminhos e Segredos da Floresta: um olhar sociobiocultural frente à crise climática”. Realizado no dia 15, ele reuniu lideranças indígenas, governos e sociedade civil. Com maioria de painelistas indígenas — 90% mulheres do Brasil e da Colômbia — o evento destacou a força dos saberes plurais e marcou também o início das celebrações pelos 30 anos da ACT, a serem completados em 2026.
Fortalecimento das mulheres indígenas como estratégia institucional
A ACT reiterou seu compromisso com o fortalecimento das organizações de mulheres indígenas, participando e apoiando ativamente agendas de parceiras como a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB).
“O apoio às organizações de mulheres é orientação institucional. Acreditamos na capacidade de gestão, na importância estratégica e na força das mulheres indígenas.
Luiz Lopes, diretor executivo da ACT-Brasil.
Esse posicionamento acompanha um movimento crescente de valorização do protagonismo feminino na governança territorial.

Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato no documento da COP30
A ACT, junto ao GTI PIACI, levou à COP30 um alerta estratégico: a urgência de reconhecer e proteger os territórios de Povos Indígenas em Isolamento e de Contato Inicial (PIACI). Entre as áreas mais conservadas da Amazônia, esses territórios são barreiras naturais ao desmatamento e essenciais para o equilíbrio climático global.
Após anos de incidência de organizações indígenas e indigenistas, o GTI PIACI — com apoio da ACT — conquistou um marco histórico: pela primeira vez, um documento oficial da COP reconhece os PIACI e ressalta a necessidade de garantir seus direitos e a proteção integral de seus territórios.
“A Amazônia, que armazena 340 milhões de toneladas de CO₂, é um colchão de vida para o mundo. Ali vivem povos indígenas isolados e em contato inicial, que escolheram a autodeterminação, mas não têm voz para defender seus direitos. O GTI PIACI articula povos vizinhos e aliados para influenciar os Estados. Na Bolívia, essa luta garantiu a titulação de 272 mil hectares ao povo Tacana e aos PIACI”.
Adamo Diego – povo indígena Tacana (Bolívia).
Um marco para o Brasil e para o mundo
As imagens da COP30, das assinaturas históricas às mobilizações massivas nas ruas, registram um ponto de inflexão entre a política climática global e a força organizada dos povos indígenas e dos povos e das comunidades tradicionais. Belém mostrou que, quando os povos ocupam os espaços de decisão com unidade e estratégia, seus recados reverberam além das estruturas institucionais e deslocam agendas, pressionando governos, financiadores e organismos multilaterais.
Mas os avanços caminham lado a lado com contradições. Se, por um lado, a demarcação voltou a ganhar fôlego político, por outro, a arquitetura global de financiamento climático segue aquém do necessário para fortalecer iniciativas comunitárias e garantir a proteção dos territórios — elemento central para conter o colapso climático. A distância entre o discurso internacional e o investimento real continua sendo um dos maiores desafios.
A COP30 em Belém entra para a história socioambiental não apenas pelo simbolismo da Amazônia como sede, mas pela contundência com que os povos indígenas afirmaram que não há transição climática possível sem que seus territórios, saberes e modos de vida estejam no centro das decisões.
A ACT seguirá acompanhando os desdobramentos da conferência, reforçando alianças, ampliando incidência e apoiando lideranças e organizações indígenas na luta por justiça climática. O futuro climático do planeta depende, de forma inegociável, do fortalecimento de quem detém os conhecimentos ancestrais, e essa mensagem ecoou em Belém e para o mundo. É tempo de aldear o debate climático.

O Eco dos Povos na COP30 em imagens






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