Direitos indígenas garantidos com a derrubada do Marco Temporal no STF
Os ministros formaram maioria nos votos contrários à tese, povos indígenas do país todo comemoram o resultado do julgamento

Na tarde desta quinta-feira, 21, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade do marco temporal. Os ministros formaram maioria dos votos para derrubada da tese, que propunha a data de promulgação da Constituição da República como data limite de ocupação dos territórios pelos povos indígenas para novas demarcações.
Entre os 11 ministros da corte, 9 deles foram contrários à tese do marco temporal. Organizações indígenas do país comemoraram inteiramente o resultado.
Foram contrários ao marco temporal o ministro Luiz Edson Fachin, que é relator do caso, e os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e a presidente da Corte, Rosa Weber. Votaram a favor dos ministros Nunes Marques, André Mendonça.
“É mais uma vitória que acontece hoje, mas ainda estamos preocupados com as indenizações que são um obstáculo para nós, povos indígenas. Como vão ser pagas essas indenizações? Vão violar novamente algo dentro dessas prescrições feitas pelos ministros?”, questionou Telma Taurepang. Telma, que é que é coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB) e membra da Assembleia e conselheira consultiva da ACT-Brasil, se refere às indenizações pelo valor de terra nua às propriedades que se sobrepõem às Terras Indígenas.
Telma explica que a territorialidade dos povos indígenas está vinculada a um espaço que oferece as condições sociais e naturais para a sobrevivência coletiva e para a reprodução social de cada grupo. Este espaço permite que os indígenas mantenham suas tradições e costumes culturais, seus modos próprios de governança e jurisdição, seus rituais sagrados e outras atividades diretamente ligadas às suas identidades.
“Para nós, mulheres indígenas, sem o nosso território não tem vida. Sem os nossos territórios, não conseguimos viver. Por isso, é uma grande vitória para as mulheres do bioma Mata Atlântica. Elas venceram junto com todos os povos indígenas do Brasil, conseguimos vencer o marco temporal”, comemorou Telma.
O território também é um direito originário desses povos, defendido pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual o Brasil é signatário.
O secretário-executivo da ACT-Brasil, Luiz Lopes, reforçou que a vitória não é só dos povos indígenas, mas de todos os brasileiros que acreditam no papel fundamental que esses povos têm para a construção e perpetuação do país e sua biodiversidade. “Nós sempre acompanhamos, muito preocupados e atentos, esse julgamento do marco temporal. Em especial por acreditarmos que é uma ação descabida. Os direitos originários ancestrais ao território dos povos indígenas do Brasil devem ser respeitados. E, como foi concebido hoje pelo STF, ele é um direito anterior, inclusive, a todas as constituições brasileiras e acreditamos essa análise ficou clara após esse resultado de hoje”.
Luiz também exaltou a resiliência indígena diante dos desafios vivenciados nos últimos anos. “Viva a todas as mobilizações e às lutas dos povos indígenas do Brasil que não desanimaram, mesmo com a grande ofensiva tanto do governo anterior, como também do período de pandemia. Mesmo assim, os povos indígenas não abriram mão de se mobilizar e mostrar sua força juntos”, disse.
O STF analisava recurso de reintegração de posse envolvendo área da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ e a área da Reserva Biológica do Sassafrás, no Oeste catarinense. O recurso foi solicitado pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina contra o povo Xokleng e a FUNAI.
Embora o caso concreto se relacionasse diretamente com o povo Xokleng, o julgamento corria em caráter de repercussão geral e sua decisão impactaria aos outros povos brasileiros, especialmente àqueles com processos de demarcação judicializados, que aguardavam a definição do STF para sua retomada. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), são mais de 200 processos de disputas territoriais suspensos atualmente, em função do julgamento.
Telma afirmou que os povos indígenas comemoram a vitória junto com o povo Xokleng. “Através de muitas mobilizações conseguimos enterrar o Marco temporal, essa tese que viola os nossos direitos. Estamos felizes! As mulheres Taurepang, as mulheres Wapichana, as mulheres de todos os biomas estão felizes junto com as mulheres Xokleng. Conseguimos vencer mais uma batalha”, finalizou.
Projeto de Lei
Além do julgamento em votação no STF, a tese também é parte do Projeto de Lei 2903/2023, em tramitação no Senado. Na próxima quarta, dia 27, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) deve dar sequência aos debates sobre a matéria.
Na terça, dia 19, mesmo dia que o STF retomou o julgamento do marco temporal, o Senado colocou a matéria na pauta. Durante o debate, foi considerada a discussão da constitucionalidade do PL em audiência pública. No entanto, a proposta foi rejeitada pela maioria, reduzindo o espaço de diálogo, participação e escuta à sociedade civil. Foram 8 votos a favor e 15 contra a realização da audiência pública na CCJ.
Movimentos indígenas e entidades de defesa à conservação ambiental e aos direitos humanos se posicionam contrários à tese, levando em conta os direitos originários aos territórios tradicionalmente ocupados pelos povos indígenas. Leia a carta conjunta publicada por mais de 300 entidades da sociedade civil contrárias ao PL.
O PL em votação no Senado traz outras ameaças aos povos indígenas e à Amazônia, além da tese. Entre eles, a facilitação de atividades como garimpo em TIs, a invalidação da premissa de não contato com povos isolados, o afrouxamento das regras de proteção aos territórios e a permissão de instalação de grandes obras sem consulta às comunidades afetadas.
Se aprovado, o projeto transfere a competência das demarcações de TIs do Executivo para o Legislativo. Dessa forma, o reconhecimento pelos territórios originários dos povos indígenas deixaria de ser feito pela Funai, com aprovação por decreto pela Presidência, e passaria a ser feito mediante aprovação de Lei na Câmara e Senado.